Senado coloca em debate limite sobre a internet fixa
4 de maio de 2016 - 12:13
No último dia 22, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) proibiu que as empresas provedoras de internet criem franquias limitadas nos planos de banda larga fixa. A decisão representou um respiro no debate que havia se alastrado pelas redes sociais nas semanas anteriores. O tema chega ao Senado, que nesta terça-feira (3) promoveu uma audiência pública para debater a limitação do acesso à internet.
O encontro reuniu representantes da Anatel, das empresas de telecomunicações, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de entidades de defesa do consumidor, que protestam contra a ideia de limitar os planos de internet fixa. A audiência que durou mais de cinco horas teve momento de debates acalorados.
De acordo com o senador Lasier Martins (PDT-RS), que presidiu a sessão, as tensões e o grande número de participantes refletem a importância do debate sobre estabelecer limite na navegação por redes fixas. “Esse debate nos permite ter uma ideia do que cabe e do que não cabe. Esse assunto ainda é novo para nós”, disse o senador. A audiência pública mobilizou parlamentares das comissões de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) e a de Serviços de Infraestrutura (CI).
O primeiro a falar foi o diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), Demi Getschko. Ele relembrou os primórdios da internet no Brasil quando o acesso à rede mundial de computadores era feita por discagem, ou seja, o usuário era cobrado por pulsos. Getschko defendeu que não seja cobrado o pacote de franquias.
“É muito complicado colocar franquia. Primeiro porque é difícil definir, por exemplo, o que é a banda que eu contratei. Além disso, os bits da navegação não são matéria. O que eu consumo não irá faltar para o outro consumidor. Cada filme que eu assisto por streaming é refletido a custo zero para outro usuário. Franquia é muito estranha e precisa ser repensada”, afirmou.
Já o diretor de relações interinstitucionais da OI, Marcos Augusto Coelho, destacou que 2% dos clientes da empresa utilizam praticamente toda navegação de dados moveis do País. “Posso afirmar que jamais falamos em limitação. Não vamos limitar o que ganhamos dinheiro para viver. O que precisamos entender é quanto será preciso ser pago para ter navegação ilimitada”, justificou.
Coelho também afirmou que a necessidade de investimento em infraestrutura é grande a rentabilidade das empresas não é capaz de suprir esses custos. “Temos fundos setoriais que já retiraram R$ 85 bilhões do produto gerado pelo sistema de telecomunicações do Brasil. Desse total, nada retornou. Com isso, não conseguiremos investir na rede se não tivermos liberdade para contratar com nossos clientes.”
Defesa do consumidor e mercado livre
A representante da coordenação Executiva do Intervozes, Bia Barbosa, apontou que limitar a internet afetará sua utilização como espaço de exercício de direito, de livre expressão, de acesso à cultura, educação e outros serviços essências.
“O Marco Civil aponta que o acesso a esses serviços essenciais só pode ser interrompido por inadimplência”, disse Bia Barbosa, que também representou a organização Avaaz. “Para quem tem internet fixa vai mudar a forma de navegar, mas o impacto maior será para quem acessa a internet pelo celular. Muitas pessoas mantêm-se conectadas por serviços wi-fi de rede fixa. Os estabelecimentos que fornecem a rede de graça vão deixar de liberar, impactando boa parte da população que tem planos pré-pagos e internet com velocidade limitadas.”
Bia aproveitou a oportunidade para entregar ao presidente da CCT, senador Lasier Martins, o abaixo assinado com 1.660.000 assinaturas de usuários que pedem à Anatel, ao Ministério Público Federal e as empresas de telecomunicações para se manifestarem a favor dos direitos dos internautas.
O pesquisador Rafael Zanatta, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), pediu o reconhecimento de um novo regime jurídico que reconheça a importância que a internet adquiriu para a sociedade neste início de século. “O Marco Civil da Internet, de 2014, reconhece a internet como essencial para a cidadania. Não é uma questão de consumo. É uma concepção de democracia e participação”, argumentou.
Ele criticou os planos mais econômicos de franquia de internet das empresas que variavam de de 10 Megabits [Mb] a 30 (Mb). “Estamos falando de recursos que são compartilhados por uma família. Assistir 10horas de uma aula on-line de um cursinho ou faculdade por mês consumirá 1Gigabyte [Gb]. São franquias que estão abaixo das que são oferecidas em países que adotam essa limitação.”
Zanatta reprovou a decisão de vender planos de franquia, anunciada em fevereiro por uma empresa de telecomunicação, sem nenhum estudo dos impactos. “A população está acostumada a ter internet ilimitada. Um anúncio desse impacto sem um estudo de mensuração de impactos nos empregos, na educação, na inovação, no empreendedorismo, na inclusão digital, na cidadania e governo aberto é preocupante”, disse.
Ataque e defesa
Após repercussões na redes sociais, a Anatel, que já havia se pronunciado favoravelmente à cobrança de franquias, voltou atrás e revogou a norma que autorizava esse tipo de negócio. O pesquisador do Idec aproveitou para rebater informações repassadas pelas companhias de telecomunicação à imprensa. “As empresas querem passar a falsa ideia de que existe um consenso mundial pelo modelo de franquia de dados. É mentira. A Anatel não pode aceitar esse discurso sem pressionar para que empresas apresentem análises e provas”.
Segundo dados da União Internacional de Telecomunicações (UIT), apresentados pelo pesquisador do Idec, em mais de 70% dos países do mundo até os pacotes de mais básicos de internet fixa são ilimitados do ponto de vista do consumo de dados. Zanatta aponta que, em países com mercados de telecomunicações mais amplos, as franquias são um fator de perda de clientes. “Isso demonstra que os planos limitados só são interessantes em mercados oligopolizados”, disse.
O diretor executivo do SindiTelebrasil, Carlos Duprat, disse que as franquias permitem criar planos mais personalizados e aprimorar o sistema em que os usuários que colocam mais pressão na rede desembolsem mais.
O Brasil é o quarto país mais conectado do planeta, segundo o levantamento Internet Live Stats, mas está na 93ª posição no quesito velocidade média da conexão, de acordo com o relatório State of the Internet, com uma taxa de transmissão de 3,6 Mb por segundo. A Coreia do Sul, líder do ranking, tem acesso a uma velocidade média de 20,5 Mb por segundo.
Fonte: Agência Gestão CT&I