Rotas digitais – Fortaleza na mira do mundo

24 de junho de 2011 - 10:58

A localização geográfica de fortaleza estratégica para o mundo virtual na Américas.Acapital cearense, por onde passam troncos de fibras óticas que conectam os continentes, é considerada estratégica inclusive para a segurança nacional norte-americana

Fortaleza, essa Constantinopla da era digital. Qual a cidade turca, que na idade média foi essencial para a conexão comercial entre Ásia e Europa e foi o porto mais importante nas rotas que iam e vinham entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Negro; a capital cearense é, no início do século XXI, a principal coordenada geográfica a conectar, por cabos submarinos de fibra ótica, o Brasil (e também a América Latina) à Europa, à África e aos Estados Unidos.

As cinco principais estruturas que permitem essa ligação internacional atravessam o Atlântico seguindo diferentes direções e convergem para Fortaleza, mais precisamente para a Praia do Futuro, onde realizam uma escala antes de continuar suas rotas pela costa do País. Na Cidade, os cabos fazem uma espécie de parada técnica, que permite que as empresas operadoras façam a correção de eventuais problemas estruturais e de transmissão depois de uma jornada de milhares de quilômetros suportando pressões extremas.

O primeiro cabo, o Americas I, foi instalado em Fortaleza em 1993 e ligou, pela primeira vez, o Brasil à rede mundial de fibras óticas. Hoje, são centenas de gigabytes por segundo de capacidade de transmissão instalada na Cidade, o que equivale praticamente à totalidade dos dados de internet entrando e saindo do País. Uma rota comercial de enorme potencial de investimento, mas cuja interrupção, estimam especialistas, comprometeria pelo menos 70% das telecomunicações sul-americanas realizadas por fibra ótica.

“Por nossa posição geográfica, somos a principal porta de entrada e saída de dados no País. Em termos percentuais, eu diria que representamos x, com x tendendo a 100%”, dimensiona o professor Mauro Oliveira, pesquisador do

Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e ex-secretário nacional de telecomunicações. Como os cabos submarinos são mais baratos e mais eficientes para comunicações em massa e de longas distâncias, outras alternativas, como os satélites (mais utilizados em comunicações de dispositivos móveis, como celulares em roaming internacional), respondem por uma porcentagem irrisória dentro do conjunto de transmissões internacionais.
Um novo cabo de fibra ótica, que poderá ligar o Brasil a Angola a partir de Fortaleza, é objeto de um estudo de viabilidade econômica em andamento realizado pelos governos brasileiro e angolano, que vêm mantendo entendimentos com a iniciativa privada desde o fim do ano passado. Ele se somaria aos cinco cabos internacionais que já fazem escala na Cidade: Americas II, que liga o Brasil aos Estados Unidos através de Fortaleza; Atlantis 2, que liga o Brasil à Europa e integra o País à rede digital que conecta os cinco continentes; Sam1, que interliga as três Américas através de cabos com mais de 25 mil Km de extensão; Sac, um anel óptico que circunda as Américas; e 360 Network, cuja rota se completa no Oceano Atlântico ligando Estados Unidos, Bermudas, Venezuela e Brasil.

“Fortaleza se torna, pela sua localização, estratégica do ponto de vista de ligar não só o continente americano, mas também de ligar a
Europa e a África. Imagine que Fortaleza distribui o tráfego vindo por exemplo dos EUA, portanto, se sofrermos um ataque na costa, ficaremos sem comunicação. O mesmo vale para o que vem da Europa. Portanto é a nossa localização geográfica que está em jogo”, sustenta o professor Joaquim Celestino Júnior, da Uece. “Em caso de pane, pelo menos 70% do tráfego de dados para a América do Sul estaria comprometido. Uma rota pelo Pacífico, entrando pelo Chile, seria a alternativa de conexão, mas com uma capacidade muito reduzida”, reforça Ivoníso Mosca, do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do Ceará.

Wikileaks
No fim do ano passado, o site wikileaks revelou que o Departamento de Estado norte-americano considera a capital cearense como um local “vital” para a segurança nacional dos EUA. Ao lado de oleodutos, centros de comunicação e de transporte, minas e fábricas de produtos médicos espalhados pelo mundo, Fortaleza possui estruturas de telecomunicações que, segundo os documentos divulgados pela organização de Julian Assange, podem impactar de modo crítico a saúde pública, a segurança econômica e a segurança nacional dos Estados Unidos.

O vazamento virou alerta no Brasil e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) iniciou uma pesquisa sobre o tema. “Em termos percentuais, ainda não é possível contabilizar a participação da entrada e saída de dados de Internet no País por meio dos cabos advindos dos pontos de interconexão existentes em Fortaleza-CE, porém há um estudo em andamento com o intuito de avaliar as infraestruturas desse porte no País”, diz a assessoria de comunicação da Anatel.

BATE-PRONTO

O POVO entrou em contato com as empresas que administram os cabos de fibra ótica com passagem por Fortaleza. Apenas a Telefônica International Wholesale Services (TIWS) respondeu. O diretor-geral da TIWS, Mitsuo Shibata, fala sobre a posição estratégica de Fortaleza.

O POVO – Além do cabo SAM-1, quais as outras estruturas do gênero gerenciadas pela Telefonica em Fortaleza?
Mitsuo – Além do cabo submarino SAM-1 da Telefônica, o Grupo Telefônica tem participação em outros dois cabos que chegam a Fortaleza: o Americas II, que conecta Fortaleza aos Estados Unidos; e o Atlantis 2, que conecta Fortaleza à Europa e à Argentina. Ainda que a Telefônica tenha participação nestes cabos, a Telmex/Embratel é quem gerencia o Americas II e do Atlantis 2 no Brasil.

O POVO – Em termos percentuais, é possível dizer qual é a participação de Fortaleza em relação à entrada e saída de dados de internet no País nos cabos de fibra ótica de propriedade da Telefônica?
Mitsuo – A cidade de Fortaleza é estratégica para os cabos submarinos, pois está localizada em um ponto fundamental para uma “parada técnica” deste tipo de cabo, que são muito longos, já que seguem até os Estados Unidos e a Europa. Podemos dizer que 100% da infra-estrutura de cabos submarinos da Telefônica passam por Fortaleza. Por sua localização estratégica, a cidade é entrada e saída da rede de dados pela rota do Atlântico, não só para a Telefônica. Nos últimos anos, Fortaleza tem aumentado sua participação como porta de entrada da internet nas regiões Norte e Nordeste. A Telefônica já possui roteadores de alta capacidade para atender o mercado regional das operadoras de Telecomunicações, provedores de conteúdo, provedores de Internet, operadoras de TV a cabo, entre outros clientes da região. Para a maior parte dos dados do Brasil, Fortaleza é um ponto de repetição e de amplificação do sinal, já que os principais mercados de dados estão localizados nas regiões sul e sudeste.

O POVO – Uma pane nesses sistemas/estruturas causaria que tipo de problema na internet brasileira e na internet da América Latina?
Mitsuo – A Telefônica possui toda uma infra-estrutura em torno da América Latina. No caso de uma eventual falha da rede em Fortaleza, por exemplo, a comunicação do Brasil com os Estados Unidos ou com a América Latina não seria afetada. Isso acontece porque a rede está preparada para conectar o Brasil com o exterior por uma rota alternativa no caso de falhas, que segue pelo oceano Pacífico.

O POVO – Quais os cuidados da Telefônica em relação à segurança dessas estruturas?
Mitsuo – O cabo submarino da Telefônica é uma peça chave na estratégia do Grupo, não só para o Brasil como para toda a América Latina. Por isso, a empresa investe na manutenção preventiva, tanto da infra-estrutura terrestre como da rede submarina. O trabalho é essencial para que a empresa seja capaz de antecipar possíveis problemas e agir nestes reparos. Além disso, a Telefônica faz constantes planejamentos de rede e manutenções corretivas, além da contratação de navios para a manutenção dos cabos submarinos.


Petróleo digital

“Nossalocalização é petróleo digital”, compara Ivonísio Mosca, do Sindicatodos Trabalhadores em Processamento de Dados do Ceará. Por ser aprimeira “escala” de entrada de dados no Continente, Fortaleza tem amaior capacidade de transmissão da América Latina e também se apresentacomo o lugar mais seguro para a instalação de empreendimentos.”Empresas de comércio eletrônico, como a Submarino e a Amazon; deserviços de software na internet, como a Yahoo! e o Google; e empresasde hardware, como a Apple e a Dell”, lista Fernando Carvalho,presidente da Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (ETICE).

Eleexplica que, no caso de uma pane em Fortaleza, a comunicação de dados,internet, telefonia e parte da TV com a América do Norte e Europa seriainterrompida. “Empresas brasileiras que hospedam seus serviços digitaisem outros países cessariam as atividades”, aponta.

Fonte: Jornal O Povo
Editoria: Fortaleza
Data: 24/06/2011