É possível que uma nova fase glacial aproxime-se

21 de julho de 2009 - 08:50

Ao dizer que o aquecimento global é um processo natural, cíclico e a ação humana é apenas intensificadora deste processo, ou seja, não é determinante, o geógrafo e professor da Faculdade de Tecnologia Centec, Rúbson Maia, vai de encontro a vários estudos mundiais. Explica que o efeito estufa é o que garante a vida ao aquecer o planeta a uma temperatura ideal, mas que esse clima interglacial acontece em apenas 17% do tempo na história recente da Terra, com ciclos de 20 mil anos. Como a última fase glacial ocorreu entre 25 e 17 mil anos, na visão do professor estamos próximo de outro período glacial que pode durar mais uns 200 mil anos

O aquecimento global é um processo natural? O ser humano exerce alguma influência sobre ele?

Sim, ciclos quentes e úmidos e frios e secos têm sido largamente identificados na história recente (últimos dois milhões de anos) do planeta. O efeito estufa é um fenômeno natural que aquece a terra em 33°C, permitindo assim a existência de vida. O fator antropogênico (provocado pelo homem), nesse caso, pode vir a ser um intensificador e indutor de um aumento de temperatura, sobretudo em escalas locais e regionais.

Por qual motivo o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) destacou essa influência em seus relatórios?

O impressionante aumento de aproximadamente 100% da emissão de CO2 (dióxido de carbono) nos últimos 30 anos tem levado inúmeros pesquisadores a apontar a emissão de CO2, CH4 (metano) e NH2 (amoníaco) como principal fator das mudanças no clima, sobretudo aqueles que trabalham em uma escala de tempo reduzida. Contudo, os mecanismos que regem essa mudanças ainda não são completamente inteligíveis, haja vista que não se conhece em detalhe a evolução paleoclimática da Terra.

Mas esse processo pode realmente ser acelerado em função das atividades humanas?

Possivelmente, contudo ainda é incerta a relação aumento de CO2 atmosférico como principal causa do aumento de temperatura. É sabido que ciclos naturais (Ciclos de Milankovich) sucederam-se na história da Terra alterando periodicamente o clima.

Há pesquisadores que atribuem à atividade solar as mudanças climáticas globais. Dá para estabelecer essa relação?

O aumento da atividade solar pode gerar um aquecimento temporalmente limitado, considerando a ocorrência de ciclos irregulares, com cerca de 11 anos, em que o sol desprende mais calor, formando depressões na fotosfera solar (manchas solares). A chegada desse calor em excesso seria responsável pelos períodos chuvosos no Nordeste Brasileiro, contudo uma correlação linear ainda não foi estabelecida com precisão.

Qual a sua opinião sobre estudos que identificam mudanças locais em função da intensificação do efeito estufa, como ampliação de eventos atmosféricos extremos (chuvas, secas, furacões, tornados)?

São eventos naturais, com ocorrência amplamente registrada no passado recente do planeta. O que mudou foi a intensidade de seus impactos, uma vez que a população aumentou de 2,5 bilhões, em 1950, para mais de 6 bilhões em 2000. Para se ter uma idéia desse crescimento, há apenas dois séculos havia apenas duas metrópoles no mundo (Londres e Pequim) atualmente são mais de 300. Contudo, caso confirmado o aumento desses fenômenos, é preciso, antes de tudo, entender o próprio fenômeno antes de relacionar sua origem.

Ainda falando em conseqüências locais do aquecimento global, o que dizer de previsões como a savanização da Amazônia, a desertificação no Semi-Árido nordestino e o aumento da fome na África?

Quanto à savanização da Amazônia, o professor Aziz Nacib Ab”Sáber, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), considera que o aumento do calor conduzirá a uma retropicalização do Bioma e não substituição por outro. Particularmente acredito que deveríamos nos preocupar mais com o desmatamento que está ocorrendo agora do que com os efeitos futuros do aquecimento na floresta. Em relação à desertificação no Semi-Árido, foram identificados focos onde há indícios de um aumento de aridez, diminuição da densidade florística e aumento de susceptibilidade a erosão como resultado da ocupação, que é a maior do mundo registrada dentre os ecossistemas análogos à Caatinga. Relacionar o problema da fome com fenômenos naturais é naturalizar um problema que é sobretudo político.

Uma análise em grande escala de tempo revela que estamos no fim de um período interglacial, quanto tempo a humanidade tem para se preparar para uma nova Era do Gelo?

Atualmente, não é possível precisar, visto que em apenas 17% do tempo na história recente da Terra o clima foi semelhante ao atual. Contudo, considerando que fases glaciais com aproximadamente até 100 mil anos de duração tem-se alternado com fases interglaciais de 20 mil anos e que o ápice da última fase glacial ocorreu entre 25 e 17 mil anos, é possível que uma nova fase glacial aproxime-se.

Que tipo de impacto o ser humano pode provocar no equilíbrio ambiental?

As atividades humanas interferem nos sistemas ambientais de inúmeras maneiras. As emissões de efluentes (resíduos líquidos) em corpos d’água, ausência de gerenciamento de resíduos, desmatamento, queimadas e emissão de poluentes atmosféricos (material particulado de gases estufa) são as mais destacáveis. Do ponto de vista micro-climático, o processo de verticalização, associado ao desmatamento e à impermeabilização do solo, juntamente à matriz energética (combustíveis fósseis) tem contribuído decisivamente para a formação de ilhas de calor nas metrópoles.

Na sua opinião, em que os governos deveriam investir, prioritariamente, para garantir condições mínimas de vida às gerações futuras?

A crise ecológica atual é o principal resultado de uma concepção de desenvolvimento que permeia a quase globalidade. Apenas a substituição nos valores individuais e coletivos, mudanças nos padrões de consumo e na concepção de desenvolvimento poderiam reverter o atual quadro, onde a miséria e a riqueza convivem lado a lado, produzindo devastação ambiental.

No caso do Semi-Árido, quais seriam as orientações nesse sentido?

Os modelos de desenvolvimento para o Semi-Árido, têm-se baseado na agricultura irrigada, possibilitada pela construção de barragens. Tal paradigma tem excluído o sertanejo dos benefícios desse sistema, forçando-o, por vezes, a migrar para grandes centros, gerando ocupações em áreas de risco e todos os impactos associados. Nesse contexto, políticas públicas de convivência, ao invés de combate à seca, são necessárias e poderiam engendrar uma forma mais sustentável de vida no Semi-Árido.

As gerações atuais convivem com um modelo insustentável. O senhor acredita que haja tempo para que a humanidade construa um modelo alternativo?

Acredito sim. Inevitavelmente a sociedade caminha nesse sentido, embora ainda de maneira lenta, o interesse crescente por produtos orgânicos, a certificação ambiental, através do cumprimento das normas do ISO 14001, os selos verdes, a implantação de Unidades de Conservação, a produção de automóveis híbridos, dentre outros, são indicadores de que a mudança está acontecendo.

Que dicas daria para que cada pessoa possa conviver melhor com sua consciência em relação ao meio ambiente?

Esforços individuais, do tipo reduzir o consumo de produtos não biodegradáveis, deixar o automóvel em casa sempre que possível, reduzir ao máximo a produção de resíduos e cobrar do poder público seu correto gerenciamento, são ações importantes na efetivação de uma sociedade mais justa e ecologicamente solidária.

E o que dizer das políticas públicas para o enfrentamento das conseqüências do fenômeno?

As políticas públicas devem reeducar a população para um novo modelo de convivência com o planeta, onde a preocupação com o consumo, com o correto gerenciamento de resíduos sólidos e efluentes, com a emissão de poluentes atmosféricos seja cotidiana. Também devem subsidiar o desenvolvimento de novas fontes de energia e matérias-primas, substituindo as que ai estão, sobretudo aquelas que têm levado o planeta a quase exaurir seus “recursos”.

FIQUE POR DENTRO
Geografia Física e Geodinâmica

Rúbson Maia é geógrafo, mestre em Geografia Física, doutorando em Geodinâmica e Geofísica pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Atualmente, desenvolve projeto ligado à Geomorfologia e Evolução Paleoambiental do Nordeste, com ênfase nos sistemas fluviais, financiado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), Petrobras e Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM).

Participa do projeto de Mapeamento Geológico-Geomorfológico da Folha Mossoró financiado pela CPRM. Foi professor de Geociências, Planejamento Ambiental e Estudo de Impactos Ambientais na Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual do Ceará (Uece) e Faculdades de Tecnologia Centec (Fatec).

ENTREVISTA – RÚBSON PINHEIRO MAIA

MARISTELA CRISPIM
Repórter

Fonte: Diário do Nordeste
Editoria: Opinião
Data: 19/07/09