A lógica da tolerância

20 de julho de 2009 - 09:34

Diretor-presidente da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), Tarcísio Haroldo Cavalcante Pequeno costuma dizer que sempre procurou levar a vida de uma forma simples e frutífera. Trajetória moldada na infância por alguns momentos que ainda hoje lhe marcam. Filho de Haroldo Cipriano Pequeno, um dos fundadores da Faculdade de Agronomia da UFC, Tarcísio lembra quando criança era levado pelo pai para brincar nos laboratórios de pesquisa do campus do Pici.

Dessa época, considera, nasceu o seu apego a universidade. “Associei essa ideia de universidade como um lugar onde a gente se diverte”. Outro traço que lhe definiu a personalidade foi a possibilidade de estudar em casa até a 5ª série primária. Por um lado isso lhe retardou a sociabilidade. De outro, não só aumentou o prazer pelo estudo, como até hoje, a casa é o seu ponto de conforto e de produção intelectual. Ao ponto de confessar que, no trabalho, faz a parte social. Em casa, produz.

Aos quem acham que as coisas sempre foram fáceis para esse cientista, ele confirma: “minha vida sempre foi a maior moleza”. E parece ter sido. Passou no vestibular na primeira vez, sem fazer cursinho, tirando o primeiro lugar em Engenharia Civil; entregou a tese de doutorado um ano antes do prazo determinado; foi um dos primeiros doutores formados em computação no Brasil e um dos pioneiros no estudo da inteligência artificial no País.

O POVO – Para começar, como o senhor se autodefine?
Tarcísio Pequeno – Como uma pessoa que sempre procurou levar a vida pelo caminho mais simples e, ao mesmo tempo, mais frutífero. De alguma maneira tentando combinar onde estavam minhas simpatias, competências e apetências naturais, como é que se constituía essa síntese. Isso me norteia.

OP – E a sua ligação com o saber?
Tarcísio – Cedo descobri que gostava muito de ler e de estudar. Desde que fosse o que eu gostasse de ler e estudar. Sempre tive uma inclinação por assuntos científicos, sempre achei fascinante. Talvez isso se ligue a alguns fatos. O meu pai – Haroldo Cipriano Pequeno – era professor universitário de Física na Escola de Agronomia. Foi um dos fundadores. Ele tinha um laboratório no Campus do Pici. Nas férias me levava para brincar lá. Isso, eu acho, determinou duas coisas na minha vida: o gosto para as coisas científicas e pelo ambiente universitário. Veja bem, uma coisa que era a universidade vista por mim como um parque de recreio, onde eu passava parte das minhas férias na infância. Então associei essa ideia de universidade como um lugar onde a gente se diverte. Bom, isso é traço. Outro traço, que me ocorre agora, é o seguinte: por um costume daquela época, fiz até a 5ª série primária em casa. E meu pai usou ainda aquele sistema da preceptora, uma professora que nos ensinava, a mim e ao meu irmão, em casa. Isso, por um lado, retardou a minha sociabilidade. Mas como tinha muito moleque na rua, se compensava de outra forma. Só na 5ª série fui para o Colégio Cearense e, ainda assim, um colégio masculino, o que também retardou a minha sociabilidade com o universo feminino. Mas diria que esse hábito de estudar em casa, que aliás me agradava muito, retornou com as novas tecnologias, o que foi um presente. Tão logo pude, passei a adotar essa sistemática. É claro que vou aos locais de trabalho, como a Funcap, por exemplo. Na realidade, só produzo intelectualmente em casa. Se tiver que escrever um artigo científico, um texto para jornal, se tiver que fazer uma coisa mais profunda, que exige concentração, inspiração, tenho que fazer em casa. No trabalho, não faço. Até digo que o local de trabalho é onde faço o social. Mas produzir intelectualmente, produzo em casa.

OP – O senhor fala que sempre procurou o simples. Mas a sua trajetória se deu em áreas aparentemente duras.
Tarcísio – De uma certa forma foi, e está realmente ligado a essa coisa de estar em casa, de ter um lugar seguro, que interrompo quando quero. Uma vez, durante uma palestra para meninos de escola pública, quando estávamos criando um cursinho naquele projeto do Pirambu (Pirambu Digital), e eu explicando toda essa questão da justiça social no Brasil. Dizia que sem nenhuma responsabilidade deles, eles tinham sido penalizados de alguma forma, e aquilo que nós estávamos fazendo era um mínimo esforço compensatório querendo ajudá-los a entrar na universidade. Mas esse discurso produziu um efeito, e me ensinou umas tantas coisas, que depois eu vi. Os alunos não gostaram de ouvir aquilo. E uma aluna perguntou assim: professor, as coisas para você foram difíceis? Então disse, foi não. Minha vida sempre foi a maior moleza. Disse um pouco ironicamente, mas tinha um fundo de verdade. As coisas sempre foram fáceis para mim, em certo sentido. Por exemplo, passei no vestibular na primeira vez, sem fazer cursinho. Estudava em um bom colégio. Mas não era isso. Estudava, e gostava de estudar. Fiz o vestibular, sem me preparar, nunca virei noite. Meus colegas virando noite, angustiados. Nunca virei noite. Mantive o ritmo normal em que já vinha estudando, fiz o vestibular, tirei o primeiro lugar (para Engenharia Civil). Diria que foi assim em outros ritos de passagem da minha vida acadêmica. No doutorado, por exemplo, há pessoas que têm crises nervosas, acabam casamentos, o cara vai parar no psiquiatra etc. Terminei a tese, um ano antes do prazo e fiquei um ano sem fazer nada.

OP – E como é que entra a filosofia nessa história?
Tarcísio – Primeiro, sempre tive um temperamento mais filosófico que científico. E certamente, mais científico do que matemático. Apesar de sempre ter sido um bom aluno de matemática, sempre a vi como instrumento, jamais como fim. E, depois, passei a ver a própria ciência como um instrumento, não como um fim do ser humano. Para mim, o fim do ser humano, que vai nesse caminho do conhecimento, é a sabedoria. Não é o acúmulo de conhecimento, a habilidade científica, paper publicado, nem láurea científica que vai conferir sabedoria a ninguém, nem caráter, nem moral. Pitágoras já dizia isso. Você pode ter um sujeito muito erudito, mas isso não vai conferir caráter, nem sabedoria àquele sujeito. O próprio Pitágoras, quando diziam que ele era sábio, ele rebatia, afirmando que era apenas um sujeito que gostava da sabedoria. Então, o objetivo do homem é a sabedoria, um ponto. E sempre tive esse tipo de interesse. Sempre gostei de estudar filosofia. Nunca encarei isso como alternativa séria para ter como profissão. De certa forma, achava a filosofia uma coisa tão agradável de estudar. Pegava os diálogos de Platão na adolescência e achava tão agradável, que eu desconfiava que aquilo não fosse sério o suficiente para alguém me pagar para fazer um negócio daquele. E mesmo nas matérias científicas, sempre tive um pé na filosofia. Entrei na engenharia, mas fui para a computação porque achava que era uma área mais profunda. E de volta à vida acadêmica, procurei o que fosse o lado mais científico da computação e fui parar em inteligência artificial, que é o que podemos considerar a fronteira da ciência e da computação. E onde os problemas teóricos mais interessantes estão colocados. E ali eu me identifiquei. Fiz o mestrado, doutorado, e, em particular, me utilizando da lógica matemática. Isso me sintonizou com um meio termo entre computação e filosofia. A inteligência artificial fica muito próxima de um ramo da filosofia que se chama filosofia da mente, cognição. Então, quase que inconsciente fui me dirigindo profissionalmente na direção da filosofia.

OP – Ao que parece, a sua visão de mundo sempre teve um viés filosófico.
Tarcísio – Ah, isso sim. Nos últimos 10 anos, eu me dediquei sobretudo a estudar filosofia. Se você visitar minha biblioteca, lá em casa, vai ver vários livros, porque tenho interesses múltiplos, mas tem uma parte lá voltada mais para a filosofia, e esses são os mais novos. Tenho lido mais isso. Sou o tipo de pessoa que nunca elaborei consciente, ou inconscientemente, qualquer projeto de vida. Acho que caibo naquela do Zeca Pagodinho, ‘deixa a vida me levar, vida leva eu’. As coisas foram tomando seu rumo e aconteceram, uma coisa foi conduzindo a outra. Nunca planejei que estudaria computação, foi quase um acidente. Depois nunca planejei, primeiro porque eu nem sabia o que ia encontrar lá, que ia aparecer uma coisa chamada lógica matemática, que ia me apaixonar por esse negócio.

OP – Parece fácil transitar de uma área para outra, como da computação para a filosofia. Mas, para o senhor, como se dá a relação entre essas duas áreas?
Tarcísio – Perfeito. Há uma relação histórica e teórica. Depois é que elas se separam muito. Esse ponto histórico e teórico acontece na virada do século XIX para o século XX. Um camarada chamado Frege (Gottlob Frege -1848/1925) reinventou a lógica. Ele matematizou a lógica. Então por 2.300 anos as pessoas estudaram a lógica aristotélica. O Frege veio e modificou a lógica com um grupo de pessoas com mentes que estavam na fronteira entre a matemática e a filosofia. Espíritos afins já fizeram isso anteriormente, e digamos que fui encontrar meus amigos.

OP – Nessa sua trajetória não houve um momento em que o cientista entrou em choque com a filósofo?
Tarcísio – Não. Se nós observarmos a história, é quase uma exceção esse período que estamos vivendo hoje. Esse fenômeno da compartimentalização e da departamentalização do conhecimento, pelos quais as coisas se tornam quase antagônicas e estranhas. Até o século XIX, uma mente brilhante ainda era capaz de dominar todo o conhecimento existente na sua época. No século XX, isso não é mais possível. No entanto, no século XXI, estamos iniciando uma fase interessante, que tem que provocar umas revoluções pedagógicas na própria universidade, no conceito de ensino, de conhecimento, que é o seguinte: o século XXI é tal em termos de volume de conhecimento, de complexidade, que vem requerer de novo espíritos menos compartimentados. A própria tecnologia e o mundo exigem isso.

OP – Em que sentido se pode fazer essa reflexão no campo das relações pessoais? Ou seja, a tecnologia teria, em tese, como missão facilitar tarefas para o homem. Mas hoje o que vemos é que as coisas não estão bem assim.
Tarcísio – De certa forma se vendeu, no século XX, principalmente no pós-guerra, uma certa noção de paraíso tecnológico. Houve um deslumbramento com a ciência e a tecnologia, que viriam para libertar o homem e para dar coisas que ele jamais teria tido etc, etc. Ledo engano, e o que se vê no mundo é uma onda ao contrário. Apesar de uma adesão a esses meios, há uma percepção que chega a ser quase hostil. Em alguns lugares, a ciência e a tecnologia chegam a ser francamente hostil. E não há sonho tecnológico, paraíso tecnológico, não há nada disso. Por uma simples razão. A tecnologia, no máximo pode ampliar o leque de possibilidades. E aí, ela pára. Isso não quer dizer que você não irá fazer coisas melhores. Para que isso acontecesse e pudéssemos experimentar essa liberdade e esse progresso, só se tivéssemos um progresso humano, do espírito humano, das relações humanas, dos valores humanos, acompanhando para o progresso das possibilidades tecnológicas. Aí juntaríamos a possibilidade do progresso material com essa potencialidade espiritual. Acontece que uma coisa não acompanha a outra e cada vez está mais esquizofrênica e descasada. Então, você pode produzir os meios mais maravilhosos e eles podem ser alimentados por lixo constantemente.

OP – O que poderia vir a ser um instrumento de libertação pode ser um meio de perda da mesma?
Tarcísio – O preço da liberdade é a eterna vigilância. Com Internet, sem internet etc. Mas é isso, antes você só tinha umas flechas, uns tacapes, podia matar as pessoas uma a uma, corria o risco de morrer etc. Depois o cara inventou uma coisa que atira de longe, você pode matar sem correr perigo. Os samurais até se recusavam a usar porque diziam que aquilo não era digno de um guerreiro. Hoje tem a bomba atômica, que você não vai nem lá. Agora olhando pelo lado positivo: é bom a gente divisar as possibilidades para termos uma trilha do que podemos fazer de melhor com ela. Vejo a Internet e fico agora preocupado com algumas coisas. A Internet nos veio trazer uma certa possibilidade de democratização, em particular da comunicação, mas isso não quer dizer que se efetive. Porque ela vem abrir a possibilidade da comunicação simétrica, em que você está em todo o lugar. Estou no centro, não há periferia. Quebra aquela lógica da transmissão de informação para um ser passivo. Pode fazer com ela uma revolução, mas pode fazer a montanha parir um rato.

OP – O que você propõe não é utópico, no sentido de que, ao se permitir o uso ilimitado da tecnologia por uma sociedade que não progrediu espiritualmente na mesma dimensão, em poucos segundos se pode destruir uma reputação para sempre, por exemplo?
Tarcísio – É verdade. A fofoca é sempre uma desgraça, né? Numa cidade do Interior, mesmo sem Internet, uma fofoca bem urdida detona a reputação de uma pessoa rapidinho em todo o universo dela. Minha avó dizia que a fofoca é como depenar uma galinha e sair espalhando as penas. Não tem quem consiga recolher de novo. Então, a Internet cria, na verdade, uma grande cidade do Interior, e finalmente, a famosa aldeia global de Marshall Macluhan está se concretizando por um caminho que ele não imaginava. Agora, acho que o tempo e o exercício, como acontece na cidade do Interior, em que quando se descobre o fofoqueiro, a fofoca não progride, também, nessa aldeia, a credibilidade vai se diferenciando do lixo. Mas o discernimento é sempre mais saudável que a censura.

OP – Li em algum lugar que o senhor considera sua experiência na Funcap uma espécie de estorvo. Fale um pouco sobre isso. Tem a ver com o conceito de lógica da tolerância, que o senhor tem desenvolvido?
Tarcísio – São duas coisas que gosto de falar. Diretamente, não tem haver uma coisa com a outra. Um dos trabalhos que tenho desenvolvido no meu lado mais científico é a atuação com um grupo de lógica. A gente assume a responsabilidade de estar à frente de um órgão como esse, mas continuo sendo pesquisador, cientista. É um estorvo nesse sentido. Continuo fazendo isso, dou minhas aulas no mestrado da Unifor, tenho publicado artigos científicos, mantenho minha atividade acadêmica. Se não fizer isso, fico doente. A Funcap eu encarei como uma missão. Não é uma tarefa simples. Não é prazerosa, custa muito. Mas nunca deixei de exercer uma certa função política nessa área da ciência e da tecnologia, tanto no plano nacional, como local. E por ter assumido uma franca oposição às políticas em outros governos, quando fui convidado, me coloquei na obrigação de aceitar.

OP – E a lógica da tolerância?
Tarcísio – Essa coisa da lógica da tolerância é interessante. Fala um pouco do temperamento. Explica um pouco mais como acaba sendo natural essa aproximação da inteligência artificial. Depois vira lógica mesmo, com as áreas humanas. E trabalhando por um caminho de lógica mesmo, fui encarando o projeto de como se desenvolveria uma lógica que expressa o raciocínio. Não propriamente a demonstração, porque a chamada lógica matemática é feita para codificar o pensamento matemático, ou seja, a dedução bem rigorosa, com 100% de certeza. No entanto, para você trabalhar inteligência artificial, é preciso uma lógica mais flexível, mais próxima do raciocínio humano. Esse é um projeto que trabalho nele há 15 anos, e esse tipo de lógica, quando a gente começa a tornar o raciocínio mais flexível, podemos cair em contradições. O que na lógica aristotélica clássica, é veneno. A contradição é a criptonita da lógica. Mas na nossa lógica, não. Ela comporta contradição. E aí fui evoluindo para outras instâncias, em que esse tipo de lógica é importante, que é a lógica da pluralidade. Então comecei a trabalhar também a minha lógica no sentido das sociedades multiculturais, de como é que você pode fazer um sistema legal, de direitos. É exemplo de caminho que eu comecei com um problema de inteligência artificial, tentando resolver em lógica, e fui parar em um problema de filosofia política de extrema relevância para a atualidade.

OP – Para finalizar, partindo de uma frase sua, que diz: ‘a tecnologia tem um papel importante de desorganizar cenários’, pergunto: Mas para chegarmos aonde?
Tarcísio – Veja bem. O caso da Internet é bastante ilustrativo disso. A mitologia indiana tem uma trindade também e lá eles deixam isso muito claro. Um Deus é encarregado de criar, outro de destruir, e um de manter. Eles enxergam perfeitamente que isso faz parte da dinâmica. Ou seja, para criar, é preciso destruir. A natureza sabe disso, tem seus elementos que constroem, e os que destroem. Vamos à imprensa, trazendo aqui para a nossa praia. Temos os órgãos de imprensa, que foram sofrendo até um processo de fusão, e aí uma certa pluralidade foi se reduzindo a grandes magnatas da imprensa, capaz de controlar os principais meios em vários países etc. Você olha: puxa, quem vai derrubar um cara desse? Você praticamente não vê luz no fim do túnel e isso tende a se manter por tempo indeterminado, até que vem a Internet e desestrutura tudo, quer dizer, abre cenários, gera a incerteza. Enfim, é nesse sentido que eu falo.

Já como doutor em Teoria da Computação, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, Tarcísio enveredou pela filosofia a partir da aproximação entre a inteligência artificial e um ramo da filosofia que se chama filosofia da mente. “Quase que inconsciente fui me dirigindo profissionalmente na direção da filosofia”.

Um dos mais importantes pensadores do Ceará, Tarcísio trabalha atualmente no que chama de lógica da tolerância, onde trata da lógica das sociedades multicuturais. “É o exemplo de caminho que comecei com um problema de inteligência artificial, tentando resolver em lógica, e fui parar em um problema de filosofia política de extrema relevância”. Nada mais simples.

“Fui uma pessoa um tanto avessa ao drama, ao sofrimento, à dificuldade. Mesmo que nos pegue, procuro não fugir. Mas também nunca as procurei voluntariamente. Sempre tive um temperamento de buscar o lado da sombra.”

“ A física era uma área que me interessava. O que me afastou foi uma circunstância: precisar ganhar dinheiro porque me casei muito novo.”

“Nunca planejei que haveria um caminho, mais ou menos suave, da lógica para a filosofia. Na PUC do Rio, onde fui professor, já com doutorado, havia um grupo de filosofia muito bom. E a lógica matemática era estudada tanto na informática quanto na filosofia, e nós fazíamos muitos seminários comuns. Inclusive, orientei teses comuns. Mas como digo, foi uma circunstância ter ido parar naquele lugar. Na realidade ia tomando partido das coisas com o vento a favor.”

“Na verdade, não vejo a minha casa tanto como um porto seguro. Vejo mais como um lugar à vontade, como lugar de conforto, que me visto como quero, faço meu próprio horário, me levanto e tomo um suco, saio, dou uma volta no quarteirão. A rigor, meu computador fica ligado direto, mas não fico frequentando sites, orkuts, blogs. Eu me protejo. Protejo minha ecologia sentimental e mental. Não abuso do computador, não passo horas ali. É realmente meu lugar de conforto”.

No dia da entrevista ao O POVO, Tarcísio teve que interromper uma reunião que estava conduzindo com cientistas nacionais que julgavam um edital de projetos de R$ 10,5 milhões em contrapartida com o CNPQ.

A Funcap e a UFC estão realizando uma especialização em Jornalismo Científico, na qual Tarcísio ministra uma cadeira. “Você não pode ser mais um camarada que é da área tecnológica, competente, mas que é praticamente analfabeto nas áreas humanas. Nem pode ser aquele cara que lê bastante, mas não consegue fazer uma regra de três, calcular uma porcentagem. Esses dois espíritos estão ficando um coisa desajustada para o nosso século.”

“Defendo, na Internet, o software livre, o direito autoral livre. Podemos caminhar nesse sentido para que toda a produção intelectual humana seja disponibilizada, todos os livros, as músicas, poesias, e de graça. E que se descubra os meios de garantir a retribuição do direito de autor para que as pessoas possam continuar criando e vivendo disso”.

Engenheiro, filósofo, mestre e doutor em computação, Tarcísio Pequeno é um dos nossos intelectuais mais produtivos

Luiz Henrique Campos
da Redação

Diretor-presidente da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), Tarcísio Haroldo Cavalcante Pequeno costuma dizer que sempre procurou levar a vida de uma forma simples e frutífera. Trajetória moldada na infância por alguns momentos que ainda hoje lhe marcam. Filho de Haroldo Cipriano Pequeno, um dos fundadores da Faculdade de Agronomia da UFC, Tarcísio lembra quando criança era levado pelo pai para brincar nos laboratórios de pesquisa do campus do Pici.

Dessa época, considera, nasceu o seu apego a universidade. “Associei essa ideia de universidade como um lugar onde a gente se diverte”. Outro traço que lhe definiu a personalidade foi a possibilidade de estudar em casa até a 5ª série primária. Por um lado isso lhe retardou a sociabilidade. De outro, não só aumentou o prazer pelo estudo, como até hoje, a casa é o seu ponto de conforto e de produção intelectual. Ao ponto de confessar que, no trabalho, faz a parte social. Em casa, produz.

Aos quem acham que as coisas sempre foram fáceis para esse cientista, ele confirma: “minha vida sempre foi a maior moleza”. E parece ter sido. Passou no vestibular na primeira vez, sem fazer cursinho, tirando o primeiro lugar em Engenharia Civil; entregou a tese de doutorado um ano antes do prazo determinado; foi um dos primeiros doutores formados em computação no Brasil e um dos pioneiros no estudo da inteligência artificial no País.

O POVO – Para começar, como o senhor se autodefine?
Tarcísio Pequeno – Como uma pessoa que sempre procurou levar a vida pelo caminho mais simples e, ao mesmo tempo, mais frutífero. De alguma maneira tentando combinar onde estavam minhas simpatias, competências e apetências naturais, como é que se constituía essa síntese. Isso me norteia.

OP – E a sua ligação com o saber?
Tarcísio – Cedo descobri que gostava muito de ler e de estudar. Desde que fosse o que eu gostasse de ler e estudar. Sempre tive uma inclinação por assuntos científicos, sempre achei fascinante. Talvez isso se ligue a alguns fatos. O meu pai – Haroldo Cipriano Pequeno – era professor universitário de Física na Escola de Agronomia. Foi um dos fundadores. Ele tinha um laboratório no Campus do Pici. Nas férias me levava para brincar lá. Isso, eu acho, determinou duas coisas na minha vida: o gosto para as coisas científicas e pelo ambiente universitário. Veja bem, uma coisa que era a universidade vista por mim como um parque de recreio, onde eu passava parte das minhas férias na infância. Então associei essa ideia de universidade como um lugar onde a gente se diverte. Bom, isso é traço. Outro traço, que me ocorre agora, é o seguinte: por um costume daquela época, fiz até a 5ª série primária em casa. E meu pai usou ainda aquele sistema da preceptora, uma professora que nos ensinava, a mim e ao meu irmão, em casa. Isso, por um lado, retardou a minha sociabilidade. Mas como tinha muito moleque na rua, se compensava de outra forma. Só na 5ª série fui para o Colégio Cearense e, ainda assim, um colégio masculino, o que também retardou a minha sociabilidade com o universo feminino. Mas diria que esse hábito de estudar em casa, que aliás me agradava muito, retornou com as novas tecnologias, o que foi um presente. Tão logo pude, passei a adotar essa sistemática. É claro que vou aos locais de trabalho, como a Funcap, por exemplo. Na realidade, só produzo intelectualmente em casa. Se tiver que escrever um artigo científico, um texto para jornal, se tiver que fazer uma coisa mais profunda, que exige concentração, inspiração, tenho que fazer em casa. No trabalho, não faço. Até digo que o local de trabalho é onde faço o social. Mas produzir intelectualmente, produzo em casa.

OP – O senhor fala que sempre procurou o simples. Mas a sua trajetória se deu em áreas aparentemente duras.
Tarcísio – De uma certa forma foi, e está realmente ligado a essa coisa de estar em casa, de ter um lugar seguro, que interrompo quando quero. Uma vez, durante uma palestra para meninos de escola pública, quando estávamos criando um cursinho naquele projeto do Pirambu (Pirambu Digital), e eu explicando toda essa questão da justiça social no Brasil. Dizia que sem nenhuma responsabilidade deles, eles tinham sido penalizados de alguma forma, e aquilo que nós estávamos fazendo era um mínimo esforço compensatório querendo ajudá-los a entrar na universidade. Mas esse discurso produziu um efeito, e me ensinou umas tantas coisas, que depois eu vi. Os alunos não gostaram de ouvir aquilo. E uma aluna perguntou assim: professor, as coisas para você foram difíceis? Então disse, foi não. Minha vida sempre foi a maior moleza. Disse um pouco ironicamente, mas tinha um fundo de verdade. As coisas sempre foram fáceis para mim, em certo sentido. Por exemplo, passei no vestibular na primeira vez, sem fazer cursinho. Estudava em um bom colégio. Mas não era isso. Estudava, e gostava de estudar. Fiz o vestibular, sem me preparar, nunca virei noite. Meus colegas virando noite, angustiados. Nunca virei noite. Mantive o ritmo normal em que já vinha estudando, fiz o vestibular, tirei o primeiro lugar (para Engenharia Civil). Diria que foi assim em outros ritos de passagem da minha vida acadêmica. No doutorado, por exemplo, há pessoas que têm crises nervosas, acabam casamentos, o cara vai parar no psiquiatra etc. Terminei a tese, um ano antes do prazo e fiquei um ano sem fazer nada.

OP – E como é que entra a filosofia nessa história?
Tarcísio – Primeiro, sempre tive um temperamento mais filosófico que científico. E certamente, mais científico do que matemático. Apesar de sempre ter sido um bom aluno de matemática, sempre a vi como instrumento, jamais como fim. E, depois, passei a ver a própria ciência como um instrumento, não como um fim do ser humano. Para mim, o fim do ser humano, que vai nesse caminho do conhecimento, é a sabedoria. Não é o acúmulo de conhecimento, a habilidade científica, paper publicado, nem láurea científica que vai conferir sabedoria a ninguém, nem caráter, nem moral. Pitágoras já dizia isso. Você pode ter um sujeito muito erudito, mas isso não vai conferir caráter, nem sabedoria àquele sujeito. O próprio Pitágoras, quando diziam que ele era sábio, ele rebatia, afirmando que era apenas um sujeito que gostava da sabedoria. Então, o objetivo do homem é a sabedoria, um ponto. E sempre tive esse tipo de interesse. Sempre gostei de estudar filosofia. Nunca encarei isso como alternativa séria para ter como profissão. De certa forma, achava a filosofia uma coisa tão agradável de estudar. Pegava os diálogos de Platão na adolescência e achava tão agradável, que eu desconfiava que aquilo não fosse sério o suficiente para alguém me pagar para fazer um negócio daquele. E mesmo nas matérias científicas, sempre tive um pé na filosofia. Entrei na engenharia, mas fui para a computação porque achava que era uma área mais profunda. E de volta à vida acadêmica, procurei o que fosse o lado mais científico da computação e fui parar em inteligência artificial, que é o que podemos considerar a fronteira da ciência e da computação. E onde os problemas teóricos mais interessantes estão colocados. E ali eu me identifiquei. Fiz o mestrado, doutorado, e, em particular, me utilizando da lógica matemática. Isso me sintonizou com um meio termo entre computação e filosofia. A inteligência artificial fica muito próxima de um ramo da filosofia que se chama filosofia da mente, cognição. Então, quase que inconsciente fui me dirigindo profissionalmente na direção da filosofia.

OP – Ao que parece, a sua visão de mundo sempre teve um viés filosófico.
Tarcísio – Ah, isso sim. Nos últimos 10 anos, eu me dediquei sobretudo a estudar filosofia. Se você visitar minha biblioteca, lá em casa, vai ver vários livros, porque tenho interesses múltiplos, mas tem uma parte lá voltada mais para a filosofia, e esses são os mais novos. Tenho lido mais isso. Sou o tipo de pessoa que nunca elaborei consciente, ou inconscientemente, qualquer projeto de vida. Acho que caibo naquela do Zeca Pagodinho, ‘deixa a vida me levar, vida leva eu’. As coisas foram tomando seu rumo e aconteceram, uma coisa foi conduzindo a outra. Nunca planejei que estudaria computação, foi quase um acidente. Depois nunca planejei, primeiro porque eu nem sabia o que ia encontrar lá, que ia aparecer uma coisa chamada lógica matemática, que ia me apaixonar por esse negócio.

OP – Parece fácil transitar de uma área para outra, como da computação para a filosofia. Mas, para o senhor, como se dá a relação entre essas duas áreas?
Tarcísio – Perfeito. Há uma relação histórica e teórica. Depois é que elas se separam muito. Esse ponto histórico e teórico acontece na virada do século XIX para o século XX. Um camarada chamado Frege (Gottlob Frege -1848/1925) reinventou a lógica. Ele matematizou a lógica. Então por 2.300 anos as pessoas estudaram a lógica aristotélica. O Frege veio e modificou a lógica com um grupo de pessoas com mentes que estavam na fronteira entre a matemática e a filosofia. Espíritos afins já fizeram isso anteriormente, e digamos que fui encontrar meus amigos.

OP – Nessa sua trajetória não houve um momento em que o cientista entrou em choque com a filósofo?
Tarcísio – Não. Se nós observarmos a história, é quase uma exceção esse período que estamos vivendo hoje. Esse fenômeno da compartimentalização e da departamentalização do conhecimento, pelos quais as coisas se tornam quase antagônicas e estranhas. Até o século XIX, uma mente brilhante ainda era capaz de dominar todo o conhecimento existente na sua época. No século XX, isso não é mais possível. No entanto, no século XXI, estamos iniciando uma fase interessante, que tem que provocar umas revoluções pedagógicas na própria universidade, no conceito de ensino, de conhecimento, que é o seguinte: o século XXI é tal em termos de volume de conhecimento, de complexidade, que vem requerer de novo espíritos menos compartimentados. A própria tecnologia e o mundo exigem isso.

OP – Em que sentido se pode fazer essa reflexão no campo das relações pessoais? Ou seja, a tecnologia teria, em tese, como missão facilitar tarefas para o homem. Mas hoje o que vemos é que as coisas não estão bem assim.
Tarcísio – De certa forma se vendeu, no século XX, principalmente no pós-guerra, uma certa noção de paraíso tecnológico. Houve um deslumbramento com a ciência e a tecnologia, que viriam para libertar o homem e para dar coisas que ele jamais teria tido etc, etc. Ledo engano, e o que se vê no mundo é uma onda ao contrário. Apesar de uma adesão a esses meios, há uma percepção que chega a ser quase hostil. Em alguns lugares, a ciência e a tecnologia chegam a ser francamente hostil. E não há sonho tecnológico, paraíso tecnológico, não há nada disso. Por uma simples razão. A tecnologia, no máximo pode ampliar o leque de possibilidades. E aí, ela pára. Isso não quer dizer que você não irá fazer coisas melhores. Para que isso acontecesse e pudéssemos experimentar essa liberdade e esse progresso, só se tivéssemos um progresso humano, do espírito humano, das relações humanas, dos valores humanos, acompanhando para o progresso das possibilidades tecnológicas. Aí juntaríamos a possibilidade do progresso material com essa potencialidade espiritual. Acontece que uma coisa não acompanha a outra e cada vez está mais esquizofrênica e descasada. Então, você pode produzir os meios mais maravilhosos e eles podem ser alimentados por lixo constantemente.

OP – O que poderia vir a ser um instrumento de libertação pode ser um meio de perda da mesma?
Tarcísio – O preço da liberdade é a eterna vigilância. Com Internet, sem internet etc. Mas é isso, antes você só tinha umas flechas, uns tacapes, podia matar as pessoas uma a uma, corria o risco de morrer etc. Depois o cara inventou uma coisa que atira de longe, você pode matar sem correr perigo. Os samurais até se recusavam a usar porque diziam que aquilo não era digno de um guerreiro. Hoje tem a bomba atômica, que você não vai nem lá. Agora olhando pelo lado positivo: é bom a gente divisar as possibilidades para termos uma trilha do que podemos fazer de melhor com ela. Vejo a Internet e fico agora preocupado com algumas coisas. A Internet nos veio trazer uma certa possibilidade de democratização, em particular da comunicação, mas isso não quer dizer que se efetive. Porque ela vem abrir a possibilidade da comunicação simétrica, em que você está em todo o lugar. Estou no centro, não há periferia. Quebra aquela lógica da transmissão de informação para um ser passivo. Pode fazer com ela uma revolução, mas pode fazer a montanha parir um rato.

OP – O que você propõe não é utópico, no sentido de que, ao se permitir o uso ilimitado da tecnologia por uma sociedade que não progrediu espiritualmente na mesma dimensão, em poucos segundos se pode destruir uma reputação para sempre, por exemplo?
Tarcísio – É verdade. A fofoca é sempre uma desgraça, né? Numa cidade do Interior, mesmo sem Internet, uma fofoca bem urdida detona a reputação de uma pessoa rapidinho em todo o universo dela. Minha avó dizia que a fofoca é como depenar uma galinha e sair espalhando as penas. Não tem quem consiga recolher de novo. Então, a Internet cria, na verdade, uma grande cidade do Interior, e finalmente, a famosa aldeia global de Marshall Macluhan está se concretizando por um caminho que ele não imaginava. Agora, acho que o tempo e o exercício, como acontece na cidade do Interior, em que quando se descobre o fofoqueiro, a fofoca não progride, também, nessa aldeia, a credibilidade vai se diferenciando do lixo. Mas o discernimento é sempre mais saudável que a censura.

OP – Li em algum lugar que o senhor considera sua experiência na Funcap uma espécie de estorvo. Fale um pouco sobre isso. Tem a ver com o conceito de lógica da tolerância, que o senhor tem desenvolvido?
Tarcísio – São duas coisas que gosto de falar. Diretamente, não tem haver uma coisa com a outra. Um dos trabalhos que tenho desenvolvido no meu lado mais científico é a atuação com um grupo de lógica. A gente assume a responsabilidade de estar à frente de um órgão como esse, mas continuo sendo pesquisador, cientista. É um estorvo nesse sentido. Continuo fazendo isso, dou minhas aulas no mestrado da Unifor, tenho publicado artigos científicos, mantenho minha atividade acadêmica. Se não fizer isso, fico doente. A Funcap eu encarei como uma missão. Não é uma tarefa simples. Não é prazerosa, custa muito. Mas nunca deixei de exercer uma certa função política nessa área da ciência e da tecnologia, tanto no plano nacional, como local. E por ter assumido uma franca oposição às políticas em outros governos, quando fui convidado, me coloquei na obrigação de aceitar.

OP – E a lógica da tolerância?
Tarcísio – Essa coisa da lógica da tolerância é interessante. Fala um pouco do temperamento. Explica um pouco mais como acaba sendo natural essa aproximação da inteligência artificial. Depois vira lógica mesmo, com as áreas humanas. E trabalhando por um caminho de lógica mesmo, fui encarando o projeto de como se desenvolveria uma lógica que expressa o raciocínio. Não propriamente a demonstração, porque a chamada lógica matemática é feita para codificar o pensamento matemático, ou seja, a dedução bem rigorosa, com 100% de certeza. No entanto, para você trabalhar inteligência artificial, é preciso uma lógica mais flexível, mais próxima do raciocínio humano. Esse é um projeto que trabalho nele há 15 anos, e esse tipo de lógica, quando a gente começa a tornar o raciocínio mais flexível, podemos cair em contradições. O que na lógica aristotélica clássica, é veneno. A contradição é a criptonita da lógica. Mas na nossa lógica, não. Ela comporta contradição. E aí fui evoluindo para outras instâncias, em que esse tipo de lógica é importante, que é a lógica da pluralidade. Então comecei a trabalhar também a minha lógica no sentido das sociedades multiculturais, de como é que você pode fazer um sistema legal, de direitos. É exemplo de caminho que eu comecei com um problema de inteligência artificial, tentando resolver em lógica, e fui parar em um problema de filosofia política de extrema relevância para a atualidade.

OP – Para finalizar, partindo de uma frase sua, que diz: ‘a tecnologia tem um papel importante de desorganizar cenários’, pergunto: Mas para chegarmos aonde?
Tarcísio – Veja bem. O caso da Internet é bastante ilustrativo disso. A mitologia indiana tem uma trindade também e lá eles deixam isso muito claro. Um Deus é encarregado de criar, outro de destruir, e um de manter. Eles enxergam perfeitamente que isso faz parte da dinâmica. Ou seja, para criar, é preciso destruir. A natureza sabe disso, tem seus elementos que constroem, e os que destroem. Vamos à imprensa, trazendo aqui para a nossa praia. Temos os órgãos de imprensa, que foram sofrendo até um processo de fusão, e aí uma certa pluralidade foi se reduzindo a grandes magnatas da imprensa, capaz de controlar os principais meios em vários países etc. Você olha: puxa, quem vai derrubar um cara desse? Você praticamente não vê luz no fim do túnel e isso tende a se manter por tempo indeterminado, até que vem a Internet e desestrutura tudo, quer dizer, abre cenários, gera a incerteza. Enfim, é nesse sentido que eu falo.

Já como doutor em Teoria da Computação, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, Tarcísio enveredou pela filosofia a partir da aproximação entre a inteligência artificial e um ramo da filosofia que se chama filosofia da mente. “Quase que inconsciente fui me dirigindo profissionalmente na direção da filosofia”.

Um dos mais importantes pensadores do Ceará, Tarcísio trabalha atualmente no que chama de lógica da tolerância, onde trata da lógica das sociedades multicuturais. “É o exemplo de caminho que comecei com um problema de inteligência artificial, tentando resolver em lógica, e fui parar em um problema de filosofia política de extrema relevância”. Nada mais simples.

“Fui uma pessoa um tanto avessa ao drama, ao sofrimento, à dificuldade. Mesmo que nos pegue, procuro não fugir. Mas também nunca as procurei voluntariamente. Sempre tive um temperamento de buscar o lado da sombra.”

“ A física era uma área que me interessava. O que me afastou foi uma circunstância: precisar ganhar dinheiro porque me casei muito novo.”

“Nunca planejei que haveria um caminho, mais ou menos suave, da lógica para a filosofia. Na PUC do Rio, onde fui professor, já com doutorado, havia um grupo de filosofia muito bom. E a lógica matemática era estudada tanto na informática quanto na filosofia, e nós fazíamos muitos seminários comuns. Inclusive, orientei teses comuns. Mas como digo, foi uma circunstância ter ido parar naquele lugar. Na realidade ia tomando partido das coisas com o vento a favor.”

“Na verdade, não vejo a minha casa tanto como um porto seguro. Vejo mais como um lugar à vontade, como lugar de conforto, que me visto como quero, faço meu próprio horário, me levanto e tomo um suco, saio, dou uma volta no quarteirão. A rigor, meu computador fica ligado direto, mas não fico frequentando sites, orkuts, blogs. Eu me protejo. Protejo minha ecologia sentimental e mental. Não abuso do computador, não passo horas ali. É realmente meu lugar de conforto”.

No dia da entrevista ao O POVO, Tarcísio teve que interromper uma reunião que estava conduzindo com cientistas nacionais que julgavam um edital de projetos de R$ 10,5 milhões em contrapartida com o CNPQ.

A Funcap e a UFC estão realizando uma especialização em Jornalismo Científico, na qual Tarcísio ministra uma cadeira. “Você não pode ser mais um camarada que é da área tecnológica, competente, mas que é praticamente analfabeto nas áreas humanas. Nem pode ser aquele cara que lê bastante, mas não consegue fazer uma regra de três, calcular uma porcentagem. Esses dois espíritos estão ficando um coisa desajustada para o nosso século.”

“Defendo, na Internet, o software livre, o direito autoral livre. Podemos caminhar nesse sentido para que toda a produção intelectual humana seja disponibilizada, todos os livros, as músicas, poesias, e de graça. E que se descubra os meios de garantir a retribuição do direito de autor para que as pessoas possam continuar criando e vivendo disso”.

Luiz Henrique Campos
da Redação

Fonte: O Povo
Editoria: Páginas Azuis
Data: 20/07/09