Nordeste – Semiárido deve virar deserto

9 de julho de 2009 - 11:11

Uma das principais consequências do aquecimento global para o Nordeste brasileiro será o processo de aridização das regiões semiáridas. Também já se sabe que essa região do país é a mais vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas

Um dos oráculos mais consultados pela comunidade científica para as previsões do futuro da relação do homem com o meio ambiente é o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). E os relatórios mais recentes do IPCC preveem um aumento de, no mínimo, dois graus celsius na temperatura média da Terra até 2100, considerando que os países controlem, efetivamente, as emissões de gases causadores do efeito estufa. Pelos modelos climáticos projetados, também é possível dizer que a região Nordeste é a mais vulnerável do país às consequências dessas mudanças.

“Apesar de nosso conhecimento não ser muito específico, nós temos modelos climáticos que concordam entre si, até certo ponto, sobre áreas que serão impactadas. Uma delas é o Nordeste do Brasil”, diz o professor de Estudos Ambiental e Filosofia da Universidade de Nova York, Dale Jamieson.

De modo geral, os efeitos mais prováveis para o aquecimento global não são completamente desconhecidos dos nordestinos, como o aumento do nível do mar e chuvas cada vez mais imprevisíveis.

Outra consequência prevista são os eventos climáticos considerados extremos, como as secas e as enchentes, por exemplo, que já têm causado vítimas e prejuízos materiais ao longo da história. Mais recentemente, as chuvas excessivas foram catalizadoras de tragédias em locais como Piauí, Maranhão e aqui, no Ceará. A diferença é que, com o acréscimo de temperatura, esses eventos tendem a ficar ainda mais extremos.

Mas existe um aspecto bem particular nas preocupações de quem vive e pensa no futuro da região Nordeste: a aridização do semiárido, processo que deixará o sertão ainda mais seco e que pode levar, em casos extremos, à desertificação. Isso faz da região a mais vulnerável aos efeitos do aquecimento. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, chegou a afirmar que, com o aumento médio de dois graus na temperatura, o Nordeste poderá perder um terço de sua economia e anunciar o projeto de um Fundo Clima, com recursos específicos para preparar a região para a crise climática.

O geólogo e professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UnB), Saulo Rodrigues, explica que o conceito de vulnerabilidade do IPCC que destaca o semi-árido nordestino também considera aspectos políticos.

“Essa vulnerabilidade relaciona os recursos que a sociedade dispõe para enfrentar essas dificuldades, esses impactos climáticos. Ter instituições, governos que funcionam e uma sociedade que participa da gestão do território onde elas vivem, tudo isso que a gente chama de governança faz das sociedades menos vulneráveis”.

Rodrigues também projeta que a agricultura ficará cada vez mais difícil nessas áreas. “A não ser que você use irrigação, uma série de práticas agrícolas de convivência com essa situação. É o caso de Israel”, aponta. “Sabemos que a agricultura no Nordeste do Brasil está na margem, muita gente vive na margem. E aquecimento vai colocar essas pessoas além do limite”, ressalta o professor Dale Jamieson, da Universidade de Nova York. (Larissa Lima)

E-Mais

> Fortaleza vai sediar em agosto de 2010 a Conferência Internacional Sobre Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas, a ICID+18. Vai ser a segunda conferência sobre o tema na cidade. A primeira foi realizada em 1992, no escopo da Rio 92.

> O Governo do Estado deve lançar, até a realização do evento, edital de pesquisa específico sobre o tema da conferência.

> Carlos Minc disse em visita ao Ceará que o Fundo Clima será um programa do Governo Federal com recursos da arrecadação de royalties de petróleo, totalizando R$ 900 milhões para defender os cinco biomas brasileiros, sendo que a metade da verbas seria destinada ao Nordeste.

> O hemisfério Sul terá mais impactos com as mudanças climáticas do que o Norte, segundo o pesquisador Saulo Rodrigues. “Isso afetaria o mundo inteiro e, com mais intensidade, os países mais pobres”.

Caminho marcado por incertezas

“Certeza” é uma palavra que não existe em alguns aspectos das causas e dos possíveis efeitos do aquecimento global. Os relatórios do Painel Intergovenamental de Mudanças Climáticas (IPCC), principal referência para os estudos na área, tratam das projeções avaliando se elas são confirmadas por especialistas, dados e simulações, inclusive classificando-as de acordo com o seu grau de certeza ou incerteza. Assim, é possível dizer que há mais de 90 por cento de certeza de que o homem é o principal culpado pelo aumento de temperatura.

A ciência básica do aquecimento já é considerada bem compreendida. Sabe-se que a presença de certos gases na atmosfera, como o dióxido de carbono, retêm na Terra o calor dos raios proveniente do Sol. E o planeta fica mais quente, com o já famoso “efeito estufa” que, se fosse mantido em níveis naturais, seria fundamental para a vida na Terra. O aumento do nível dos mares também é fácil de explicar: quando a água é esquentada, aumenta de volume. E os oceanos estão esquentando.

“O nível do mar vai aumentar, globalmente, de forma dramática nos próximos 1000 anos. A única pergunta é: de forma extremamente dramática ou apenas gradualmente dramática? E ela vai variar de acordo com as regiões. É um dos impactos que nós estamos mais confiantes que irão acontecer”, reafirma o professor Dale Jamieson, da Universidade de Nova York. Ele diz que
a ciência também já pode assegurar que o aquecimento fica mais intenso nas proximidades dos pólos.

Mas ele mesmo elege alguns “pontos fracos”, relacionados às previsões locais. “ A fraqueza da ciência está em não ser capaz de prever exatamente quais efeitos acontecerão em qual região e em qual tempo”, explica.

Outro exemplo de incerteza são as chuvas. Sabe-se que os padrões de precipitação irão mudar com o aquecimento do globo, mas ainda não é possível prever como. “Em alguns lugares, onde não tem enchentes, haverá enchentes. E onde não há seca, haverá seca”, ressalta Jamieson. Para o professor, há certeza suficiente para que os governos e a humanidade como um todo não esperem para ver. (LL)

Homem é culpado por aquecimento
Apesar do avanço nos estudos sobre as mudanças de clima, é bem recente a convicção da maior parte da comunidade científica e dos governos de que o aumento de temperatura é uma consequência de fatores antrópicos, ou seja, da ação do homem. Mas ainda há quem duvide disso. Mas, para o professor Saulo Rodrigues, da UnB, não há mais mistérios nem teorias: a humanidade ser a principal culpada pelo aquecimento global é algo comprovado por evidências empíricas.

Um dos dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que 80% do aquecimento do globo é de responsabilidade do dióxido de carbono. Os níveis desse gás na atmosfera, inclusive, aumentaram 30% desde a Revolução Industrial. “Noventa e nove por cento dos cientistas do mundo inteiro reconhecem isso como um fenômeno que tem participação significativa do homem. Na minha opinião, os que discordam estão mais em busca de holofote na mídia do que propriamente defendendo uma ideia em que eles acreditam”. (LL)

SAIBA MAIS

QUEM MAIS EMITE GASES DE EFEITO ESTUFA
(porcentagem do total emitido pelo mundo)
> Estados Unidos – 20,6
> China – 14,7
>União Européia – 14
>Rússia – 5,7
> Índia – 5,6
> Japão – 3,9
>Alemanha – 3,0
> Brasil – 2,5
> Canadá – 2
> Reino Unido – 1,9

EFEITOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E IMPACTOS
> Mudanças no clima
> Aumento da temperatura
>Aumento do nível do mar
>Mudanças nas precipitações
> Secas e enchentes

CONSEQUÊNCIAS:
> Diminuem recursos de alimentação e água
> Ecossistemas e biodiversidade atingidos
> Mudança das formas de hab itação e organização das cidades saúde humana

DICIONÁRIO

DESERTIFICAÇÃO
> O professor Saulo Rodrigues, da UnB, explica que a desertificação está relacionado à degradação e à perda de nutrientes do s olo causadas pelo manejo equivocado. “Se você adota práticas de conservação e proteção contra a erosão, você consegue evitar a desertificação”, detalha.

ARIDIZAÇÃO
>Tem relação mais direta com as variáveis climática s. Ela acontece com os solos do semiárido com a queda das chuvas, o aumento das temperatura e da evaporação.
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Fonte: O Povo
Editoria: Ciência e Saúde
Data: 04/07/09