Cobertura FdC3: Água como direito humano

18 de outubro de 2019 - 15:01

Painel que integrou a programação da Feira de Soluções para a Saúde apresentou realidade da população de comunidades do Ceará e a forma que lidam com a água

Que a água é um recurso finito, todos sabem, mas o seu consumo tem aumentado em todos os países, fato que preocupa especialistas e pesquisadores. Entre 1990 e 2010, a população aumentou em 20%, e o consumo de água teve um aumento de 100%. Cerca de 2 bilhões de pessoas vivem em estresse hídrico, situação em que a demanda é maior que a disponibilidade da água e a capacidade de renovação naquele local. Esses dados foram apresentados pelo presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil –CE, João Telles Melo, durante painel da Feira de Soluções para Saúde.

Com os anos, a demanda por água tem aumentado e as emergências climáticas podem afetar a agricultura e ter impacto na desertificação. No Brasil, a seca e estiagem atingiram 38 milhões de pessoas. A desigualdade social e a localização têm grandes influências nesse cenário. Também é possível observar desigualdade no consumo entre cidades. No Rio de Janeiro, por exemplo, o consumo diário por pessoa é de 126 litros, enquanto em Alagoas, o consumo é de 91 litros. Em Fortaleza, o consumo é de 3500 litros de água por segundo. No Distrito Federal, os números são ainda mais alarmantes. A média diária por pessoa, é de 400 litros, podendo chegar a 700 litros em áreas mais nobres.

O Direito Humano à Água prevê que todos tenham água suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e a preços razoáveis para usos pessoais e domésticos. Segundo Telles, o Direito Humano à Água não está na Constituição de forma explícita, mas existem duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que tramitam na Câmara dos Deputados para a inclusão.

Apesar de a Organização das Nações Unidas (ONU) ter reconhecido o acesso à água e ao saneamento básico como um direito universal, essa não é a realidade em todos os municípios brasileiros. Menos de 40% da população tem tratamento adequado de água. O impacto disso pode ser observado na saúde, como apresentou o pesquisador da Fiocruz Ceará Fernando Carneiro. De acordo com pesquisa da Fundação apresentada por ele, onde se tem saneamento básico, a reprodução do mosquito Aedes Aegypti e a propagação de doenças causadas pelo vetor são menores. Para o pesquisador, existem soluções de baixo custo que podem auxiliar a resolução do problemas, como o Sisar, modelo de gestão Sistema Integrado de Saneamento Rural, que leva à casa água de qualidade. Essas experiências exitosas do Estado do Ceará estão sendo apresentadas na Feira de Soluções para a Saúde até sábado, 19 de outubro.

“Juntos vamos longe. Espero que aqui na Feira possamos sair com ideias e encaminhamentos que possam nos ajudar a abordar esse tema com a complexidade que ele tem”, ressaltou.

Para o coordenador geral do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), Marcos Helano Montenegro, é necessário que o governo identifique as populações vulneráveis e priorize ações para ampliar o acesso à água. Ele destaca que a pobreza e desigualdade social colocam em risco moradia e saúde da população e que no primeiro semestre de 2015 a desigualdade havia diminuído, índice que tem aumentado desde o segundo semestre do mesmo ano até os dias de hoje. Outro dado apresentado foi de renda per capita do trabalho, que só teve aumento para a faixa de 10% mais ricos da população.

“Não é possível a universalização do saneamento sem reforma urbana e agrária e sem acesso justo à terra e trabalho”, afirmou. Para Marcos, o país passa por um momento crítico com a votação na Câmara dos Deputados do projeto de lei 3.261 de 2019, que, de acordo com ele, amplia a presença de empresas privadas, rompendo com a estrutura atual de prestação de serviços públicos de água e esgoto, agilizando a privatização de empresas estaduais e municipais de água e esgoto. “A privatização do saneamento básico só beneficiará as pessoas que têm mais condições de pagar pelo serviço. Temos muito o que fazer, mas a privatização não é a solução”, ressalta. Por isso, propõe ações emergenciais como a priorização do atendimento das populações vulneráveis dos assentamentos precários, da zona rural e dos pequenos municípios e integrar a política de saneamento com as políticas públicas de saúde, habitação e desenvolvimento urbano.

Empreendimentos e conflitos

A água tem trazido conflitos no estado do Ceará, como mostra Jeovah Meirelles, da
Universidade Federal do Ceará. Ele apresentou pesquisa que mostra que as moradias de 33 comunidades indígenas estão sendo ocupadas por indústrias, que causam danos ao meio ambiente e à população, como doenças de pele e respiratórias.

Danos enfatizados também pela integrante do Conselho Pastoral dos Pescadores do Ceará Camila Batista. De acordo com ela, a chegada de grandes empreendimentos na região marítima do estado tem trazido impacto nos manguezais e locais onde as espécies se reproduzem. “São muitos crimes ambientais no nosso território”, lamenta.

Ela classifica como um cenário adverso e difícil, um retrocesso, e afirma que a seca não pode ser tratada como algo natural, pois está sendo potencializada com ações que danificam a natureza. As consequências também são vistas no trabalho da comunidade tradicional de pescadores e pescadoras, população quilombola e indígena, com a ocupação dos espaços onde as mulheres pescam e mariscam, impactando na segurança alimentar e na renda. Por isso marisqueiras e pescadoras estão saindo do território ou acabam dependentes dos cônjuges, situação que pode desencadear outras questões sociais.

O trabalho apresentado por Camila é fruto do curso de Especialização em Promoção e Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho da Fiocruz Brasília.

A programação da Feira de Soluções para a Saúde continua nesta sexta-feira, 18 de outubro.

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Fonte: Assessoria de Comunicação da Fiocruz